Uma solução estratégica.
A noite era festiva. Fazia seis meses que a empresa Top Cosmetics estava no Ceará e era um sucesso retumbante em todo o estado. Os negócios iam bem e o dono do empreendimento, o senhor Rudolf Steinberg, suíço de nascimento, mas há dois anos radicado em Fortaleza, após uma passagem por cinco de nove estados nordestinos, resolveu premiar a equipe dele com um jantar dançante no Siará Fashion, casa de show respeitada na capital cearense, tanto pelo tamanho quanto pelo luxo.
Os convidados eram basicamente revendedores, gerentes de unidade (dez ao todo) e familiares do suíço Steinberg. Porém, também, foram convidadas pessoas ilustres, pessoa que ajudaram na instalação da fábrica e das lojas; com elas, o empresário mantinha aproximações relações de amizade; pessoas que trabalhavam na direção da Alfândega, funcionários de alto escalão de bancos de Fortaleza, diretores de empresas que negociavam com a Top Cosmetics e por que, não, políticos. Gente influente, cuja amizade ajudou o suíço do Cantão de Zurique a se firmar na ramo de cosméticos na capital do Ceará.
Rudolf Steinberg era um homem festivo e animado, apaixonado pelo Brasil – em especial pelo Nordeste, por onde muito passeou antes de fixar residência em Fortaleza. Tinha o rosto comprido, testa longa encimada por uma rala cabeleira loura de fios muito finos, portanto, pouco espessas. As sobrancelhas grossas que emolduravam os olhos intensamente azuis como o céu da terra que o adotou e como poucas praias no litoral nordestino, cujas águas o senhor Steinberg teve o privilégio de conhecer. O rosto era avermelhado pelo sol dos trópicos com um bigode espesso e sem pontas, uma boca de lábios finos e compridos, com o queixo pouco proeminente e afilado. O sorriso se descortinava generoso com todos de sua relação seja profissional seja familiar. Viúvo, não quis contrair novo matrimônio, embora não lhe faltassem namoradas. Presente na festa estava Míriam, sua filha de dezenove anos, estudante da Universidade de Berkeley, e de férias no Brasil para assistir ao sucesso do pai.
O jantar dançante, logicamente, começou com a recepção dos convidados. Na parte externa da casa de show, havia manobristas empenhados em estacionar os veículos que chegavam à boate. Na entrada do ambiente climatizado, recepcionistas conferiam os convites e as respectivas mesas dos convivas. O serviço, à americana, para não tornar muito sobrecarregada as funções dos garçons e também facilitar aos comensais. O tema das comidas eram frutos do mar, peixes, lagostas, ostras e camarão. Foi contratado o melhor dos bufês de Fortaleza, para a preparação de diversas iguarias servidas naquela noite. O senhor Steinberg não poupou gastos e contou com a ajuda de Maria do Carmo, sua secretaria e administradora, além de fiel escudeira tanto nos negócios quanto nos assuntos de família. O empresário escolheu o que havia de mais fino e “chic” em Fortaleza. Acabada a refeição, após a sobremesa, chegou a hora do aguardado baile.
Às doze horas em ponto, ouviram-se os primeiros acordes. Todos se largaram para o salão, menos a jovem Míriam Steinberg, sentada á mesa onde jantou, observava de longe os casais. A jovem de sorriso acanhado, ao ser convidada para dançar os ritmos da terra educadamente dizia “não”. Tal atitude começou a chamar atenção atenção dos vendedores de modo negativo.
- Eta, menina besta! Se acha! Metida! Até parece mesmo uma patricinha! Gringa! Não podia ser outra coisa! – todos os comentários começaram a vir à baila e a manchar a reputação de Mìriam, sem que ela sequer pudesse se defender.
- Dessa vez é você, Emiliano! Vê se consegue! E u aposto cinquenta reais como é outro fora. Quem quiser que case! Dizia assim o Pereira, que já havia sido preterido desprezado. Julgando mal a negativa começou por ironia e despeito, juntamente com a embriaguez, a difamar a filha do patrão.
- Essa aí, não fica com ninguém! Se eu que, modéstia à parte, não consegui! Quem vai conseguir? Ninguém. Dizia o embriagado vendedor, cada vez mais melado.
O pior é que todos estavam pra concordar. Comentavam que estavam alinhados, foram extremamente educados e não íam fazer feio no salão. Por que, então, lhes foi negada uma música? O despeito do Pereira, alimentado pelo uísque importado doze anos do patrão, começava a invadir o coração dos colegas de trabalho.
Cansado de ouvir as impropriedades do Pereira, outro vendedor que, até ali só se limitara a observar, resolveu testar suas impressões. Considerado um ótimo profissional pela astúcia, pela inteligência e pela liderança que exercia entre os colegas, sem falar, no trato apurado com os diversos clientes a ele designados. Este era o Vítor, muito invejado pelo caluniador.
- Olha lá! Só faltava mesmo o Vítor – observou de longe o Pereira – lá vai outro fora!... É só esperar, essa eu vou ver de camarote! O Vítor vai completar o time dos desiludidos da noite e da festa. Sai daí macho! Tá vendo que é muita areia para o seu caminhão – falava o Pereira. Entre os vendedores já havia os que apostavam bebidas, ou, melhor, pelo sucesso ou, não, do Vítor.
- Não acredito no que tô vendo! Ele se aproximou e estendeu a mão. Disse algo próximo ao ouvido dela. Ela...ela...ela aceitou! Tá indo dançar com ele. Vocês viram o que ele fez? A galega se derramou num sorriso e acompanhou o Vìtor. Eu vou querer saber o segredo, ele vai me esclarecer como conseguiu fazer isso: convencer a galega.
Enquanto o Pereira se roía de despeito e de inveja, vamos falar mais um pouco sobre o Vítor. Ele é um dos melhores vendedores da firma e ganhador de diversos prêmios de produtividade e liderança. Muito observador, qual ave de rapina, ele fixou-se bem sobre a presa antes de dar o bote. O fruto para ganhar a assentimento da jovem, filha do patrão, foi a paciência e uma conclusão que concebeu após uma boa parte dos colegas ter sido recusada. Ele notou que Míriam ficava tamborilando na mesa onde estava e balançava discretamente a cabeça, acompanhando o ritmo da música. Ora se faz isso é porque está gostando, está apreciando. Outra coisa que lhe chamou a atenção foi que, na hora da abordagem, seus colegas não davam um tempinho para que a menina respondesse. Vítor notou que ela sempre ficava indecisa; dizia que “não”, mas o cavalheiro não fazia outra coisa a não ser dar-lhe as costas e sair.
Já Vítor ao abordá-la, olhou no fundo dos olhos de Míriam, estendeu o braço e tocou-lhe a mão de leve, para só então perguntar: a senhorita se incomoda de dançar comigo? Com calma, esperou a jovem se levantar e, então, conduziu-a ao salão de dança. Foi a solução estratégica para conquistar a simpatia da jovem e estonteante loira. Dançou várias vezes tentando com toda paciência ensinar Míriam a dançar forró; com um tempo de convívio, percebeu que a única palavra que ela sabia em Português era “não”.
Moysés Severo
Enviado por Moysés Severo em 05/07/2013